Ela era linda. Tinha um sorriso capaz de alegrar a cidade inteira. Um brilho no olhar que iluminava o mundo ao seu redor. Não era perfeita, mas também não tentava ser. Era jovem, com medos e anseios, com dores e tristezas, sempre lutando contra a realidade, contra seus limites, sempre tentando superar suas dificuldades. Apesar de tudo, nunca tirava o sorriso do rosto.
Aprendeu a conviver com seu problema desde pequena. Ele nunca a incomodara. Andar de cadeira de rodas, precisar de ajuda para realizar grandes ou até mesmo pequenos movimentos não mais lhe constrangia. Ela não tinha vergonha de ser cadeirante. Não via tudo aquilo como azar ou pura maldade do destino, via como aprendizado. Nada a intimidava.
Ver crianças pulando não a fazia se sentir inferior. Ouvir comentários sobre sua vida não a deixava com pena de si mesma. Ela realmente tinha pena de quem ria de seus tombos, de quem a via como uma coitada, uma infeliz ou mesmo uma ninguém.
Seu nome era Beatriz. Significa felicidade. Vem do latim: aquela que faz os outros felizes. Era verdadeiramente assim. Trazia felicidade por onde passava. Quem olhasse no fundo dos seus olhos sentia um imenso bem – estar, nunca encontrado em lugar algum. Sentia pureza. Talvez por ela ser tão pura. De corpo e alma.
Com 14 anos, mais parecia 17. Uma bela moça, por fora e por dentro. Ideologias e pensamentos formados. Certeza em seus atos. Sinceridade no olhar.
Assim era Beatriz, rica de amor, paz, sinceridade, carinho, sabedoria. Mas pobre de saúde. Sua tetraplegia não retrocedia. A cada dia que se passava, a menina piorava. Os seus músculos ficavam cada vez mais atrofiados, mesmo com sessões diárias de fisioterapia.
Mas ela não perdia a fé, mesmo sabendo que suas chances eram poucas. Era nisso que acreditava: no pouco, no mínimo. Ele sim poderia evoluir e se tornar o máximo, o melhor.
O que realmente a entristecia era saber que sua doença era vista como castigo. Quando passeava em parques, via crianças. Via pais também. Eram eles que tiravam seu sorriso do rosto. Apontavam para a garota e diziam a seus filhos para obedecerem, caso contrário, seriam como ela.
Beatriz não conseguia segurar as lágrimas quando episódios como esses aconteciam. Chorava ali mesmo. Ficava abismada com tamanho preconceito. Não sabia como agir. Ficar quieta ou reclamar? Mesmo que quisesse questionar o emissor de tamanha barbaridade, as palavras não saíam de sua boca. Balbuciava sons embaralhados, e então desistia. Preferia que seus olhos falassem por ela.
Até que um dia surgiu uma oportunidade. Uma idéia, talvez utópica. Mas para alguém que não desiste dos próprios sonhos, nada é impossível. Beatriz iria falar, soltar tudo que estava engasgado a tempos em sua garganta.
Passou dias decorando discursos que pudessem tocar a todos, mas não conseguia. Mudança de planos. Falaria o que sentia no momento exato, no meio da praça publica, diante de toda a cidade.
O dia esperado chegou. Não quis se arrumar. Não queria mostrar beleza, queria mostrar verdade. Vestiu-se de modo simples e foi ao centro. Todos estavam à espera de um discurso imenso, onde ela falaria de toda a dificuldade de sua vida e como queria se curar.
Mas as pessoas ficaram abismadas ao ver como a menina viera. De cabelos cacheados e unhas por fazer, a garota subira ao palco sem papel algum. Sua cadeira foi deixada de lado e sentou-se numa poltrona já preparada para sua apresentação. Não falou lorotas ou embromações, simplesmente disse: Não é por que não tenho o movimento das pernas que não tenho sonhos. Eu vivo como todos vocês. Levanto todas as manhãs em busca de dias melhores. Eu quero, eu posso, eu consigo.
Por: Ana Victória Boa Sorte
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